sexta-feira, maio 08, 2009

Mãe tigresa




Mãe de verdade sabe,
Mãe de verdade chora,
Mãe de verdade ri,
Mãe de verdade luta,
Mãe de verdade manda,
Mãe de verdade defende,
Mãe de verdade ama,
Mãe de verdade tem unhas e dentes,
Porque mãe de verdade é uma tigresa.

sábado, janeiro 24, 2009

Encontrada numa certa enciclopédia chinesa

Os animais se dividem em: a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel muito fino de pêlo de camelo, l) et coetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas.
(Jorge Luis Borges, apud Foucault)

Introdução à moral

Sob as muralhas vermelhas de Paris

Assim, tanto sobre o amor como sobre a guerra, direi de boa vontade aquilo que consigo imaginar: a arte de escrever histórias consiste em saber extrair daquele nada que se entendeu da vida todo o resto; mas, concluída a página, retoma-se a vida, e nos damos conta de que aquilo que sabíamos é realmente nada.

(CALVINO, Italo. O Cavaleiro inexistente)

terça-feira, novembro 18, 2008

Lembro-me bem da primeira vez.

Era uma tarde rasa e alaranjada

Que deixava mesmo a pele mais escura enrubescida

A pele

A pele já bastante ferida pelas pancadas da vida

A pele já desgastada pelo tic-tac falso de relógios digitais com Water Resistance.


As feridas da pele

O desgaste da pele

Mas não há motivos para perder versos com isso

Já que há plaquetas que fecham feridas e

baterias que se acabam e fazem o tempo parar.

Estou aqui para falar da primeira vez.

Mas a merda é que isso me acomete sempre

Sempre que penso na primeira vez.

Talvez porque seja eu um hemofílico

com um relógio de corda herdado de meu avô.

Quando o tempo parava e eu tentava correr para recuperá-lo

o pulsar irritante de Chronos tornava com o balançar de meus braços

e o sangue jorrava outra vez


E foi com tal sangue condensado no céu
que aquela tarde ganhou esse tom.
E foi pela primeira vez com o corpo jogado ao chão
que estendi minhas mãos
E ao invés de um puxão amigo
foram duas moedas que recebi.

Não pedi moedas.

Moedas não estancam sangue

Nem fazem retroceder os segundos

os minutos

as horas

Não pedi uma, sequer duas moedas.

Talvez meu corpo

Seja tão à prova d'água

quanto o relógio que carrego no pulso

Talvez meu corpo embace

como o vidro do relógio

E, no fim, tudo o que se poderá ver

é o brilho reluzente do vil metal.

terça-feira, outubro 21, 2008

                                                                     



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quinta-feira, outubro 09, 2008

Sinais de Idade

Hoje descobri que tenho pêlos no nariz e isso para mim é sinal de idade. Lembro como ficava impressionado com alguns dos mais antigos clientes do meu antigo barbeiro, ao qual meu pai me levava quando criança: eram velhos italianos com enormes chumaços de pêlos saindo das narinas e orelhas, as quais o profissional habilmente aparava com um só golpe de tesoura; também o barbeiro os tinha. Descobri que tenho pêlos no nariz fazendo uma careta na frente do espelho, faz-se um bico apontado lá para baixo, como quem quer beijar o próprio queixo, e empina-se a cabeça para trás: no espelho aparece um pouco das paredes internas das ventas, apesar do espaço pouco que são as minhas pequenas narinas, minúsculas aberturas num nariz tão grande, negras como nunca vi igual. Nelas estavam os pêlos, pêlos curtos e finos, escassos, nem se nota se não fizer essa careta, mas que os há, os há, já me disseram antes, teu nariz tem pêlos, mas eu não acreditava, nunca os tinha visto antes, agora sei que os tenho, e isso para mim é sinal de idade. A idade vem me deixando uma ruga única, de um lado só da testa, acima da sobrancelha, como uma sobrancelha mímica fazendo-se sombra da outra, logo abaixo; além de umas rugas que aparecem muito de quando em vez, em raras ocasiões de um sorriso muito sincero, daqueles que nos fecham os olhos, aí aparecem no canto dos mesmos, as quais eu julgo até que bastante charmosas, mas dessas ninguém nunca falou, foi fazendo caretas no espelho que as descobri sozinho.

Fisicamente a idade nunca me incomodou, nunca senti aquela nostalgia vaidosa dos tempos de criança, mesmo porque a mim parece que a beleza vem com o tempo, talvez seja mais o costume cada vez maior de conviver comigo mesmo, e tenho certeza que passada certa idade pensarei no contrário; mas a idade só me incomoda mesmo na cabeça, por saber que traz cada vez mais responsabilidades e aquele tempo bom de criança, de bagunça, esse passou e não volta mais; incomodei-me mesmo quando, dias atrás, reencontrei um amigo que há muito tempo não via, e no vaivém da conversa, uma conversa daquelas de amigos que não se vêem há tempos, como vais, quem tens feito, e tu, aquele silêncio que indica o momento de uma breve troca de números, por favor telefone, eu preciso beber alguma coisa rapidamente, eu prometo não esqueço, por favor não esqueça, não esqueça, adeus, tudo de bom, lembranças à família, descobri então que tinha ele se casado, e eu me julgo ainda muito jovem para isso. Me disse: "A vida de um indivíduo quando a dois é mais fácil, mas a vida a dois, para um indivíduo, é muito difícil." Perguntei o que significava e ele disse para deixar para lá, trocamos números e fomos cada um para seu canto com a promessa de um dia tomar uma cerveja juntos. Hoje sei que ainda não o fizemos porque uma só cerveja não nos daria e também à sua mulher incomoda a idéia de vê-lo por aí bebendo com amigos.

Foi vê-lo casado que me vez pensar na idade; tomando por referencial a precocidade daquele prematuro matrimônio que o impedia de tomar cervejas com amigos, minha já retardada imaturidade parecia anacrônica, e senti-me perdido no tempo; contudo sei que não estou nem estava velho, eles é que são jovens demais, mas os pêlos não mentem – e sei muito bem que velho não estou, mas só agora, passados vinte e tantos anos de vida, é que vim a tomar consciência de que a idade vem, aos poucos, lenta e ininterruptamente. Ainda demora para me alcançar, por certo, mas que já deixa marcas, já as deixa. Como pêlos nas narinas e uma ruga única na testa, por certo que não me tardo a perder uns cabelos.

A vida toda vivi com gente mais velha que eu. Assim, nunca tive muita amizade, nem com meus primos, os quais eu via muito pouco, nem com meus tios, e nem com colegas de trabalho, para me sentir velho como eles, ou sob a proteção de pessoas mais velhas; tampouco me sentia confortável com os de minha idade, na escola, viva meio período com suas brincadeiras e o dia todo com as dos adultos, estas sim, muito mais maldosas e divertidas. Por isso não sei bem a que associo a idade, e os pêlos me parecem tão somente trazê-la, sem com ela trazer nenhum significado especial. Não a associo à responsabilidade, mas esta à necessidade; nem com maturidade, que para mim é como a clareza das crianças; nem com imaturidade, que é a dureza: fruto da experiência. Não sei se é a idade quem traz a experiência, ou a experiência quem traz a idade; mas, visto que o tempo passa, acho difícil evitar que venham as duas, talvez a experiência, mas nunca a idade.

(inverno, 2007)

sexta-feira, setembro 26, 2008

MEMORÁVEL DESCRIÇÃO DO DIA EM QUE UM RESPONSÁVEL TRABALHADOR QUE LEVANTA TODOS OS DIAS MUITO CEDO A FIM DE IR AO SERVIÇO TEVE VONTADE DE NÃO SE LEVANTAR

Acordou e sentiu que seria aquele mais um dia comum em sua vidinha banal. Era demasiado cedo, escuro ainda, imaginem, nem o Sol que é o Sol havia ainda nascido direito, sendo que é ele quem deveria nos despertar por ser o único que sempre acorda e se levanta mais ou menos à mesma hora. Sua vontade era não levantar. Queria ficar ali, simplesmente  ficar, não havia qualquer atrativo naquela velha cama, infelizmente nenhuma companhia senão os cupins na madeira barulhenta e os ácaros no velho colchão, pulgas não, que deus nos livre a todos porque é um bicho que de um se passa a milhão, nem mulher, o que era pena mas a vida era assim. Enfim, nem muito confortável era a cama, mas ainda era uma cama e a idéia de dormir se fazia sentir como mais do que simplesmente agradável, mas inegável. Tudo parecia conspirar para isso: era uma manhã dessas confortáveis, que debaixo das cobertas fica mais do que perfeita, o corpo ainda cansado e preguiçoso, os ácaros também dormiam, acho, e os cupins, nem barulho a cama fazia, os vizinhos ainda não haviam se levantado e nem na rua passava ninguém que o pudesse incomodar, nem o Sol se levantara ainda, como já se disse, no fim das contas apenas o rádio relógio que ainda gritava seu urro rouco, ao mesmo tempo intermitente e constante, uh uh uh uh uh uh, sem parar, ah bons eram os tempos dos despertadores de corda, uma hora lhes acabava a mesma e eles se calavam enfim.
Tinha poucos instantes para decidir. Levantar-se ou não? e isso lá era pergunta que se faça? Afinal de contas era trabalhador e tinha responsabilidades, não muitas, nem grandes, nem com ninguém a não ser si mesmo, afinal, seu ofício nem era tão urgente assim que fosse prejudicar alguém além do patrão, e mesmo esse só um pouco. Nem o Sol se levantara! Disse para si mesmo que ninguém deveria ter de levantar antes do Sol, ninguém, e se lembrou no ato das pessoas com quem cruzava diariamente ainda antes de este último ter nascido, das pessoas com quem, por força das rotinas comuns, compartilhava o vislumbre da alvorada, e sentiu-se meio que responsável para com elas a se levantar. Mas será que nenhuma daquelas pessoas sentia vontade de dormir um pouco mais? Alguém precisava tomar uma atitude! Desligar o despertador, puxar as cobertas sobre as orelhas, afundar o nariz no travesseiro e dormir...
Já começava a cochilar novamente quando o rádio relógio voltou a gritar, exercendo a moderníssima e brilhante função que nos dá mais cinco ou dez minutos de sono, depende do modelo do aparelho, ao se apertar um botão. Parecia dizer "acorde, acorde, levante ou me desligue, mas antes decida", pois é, o seu corpo já o obrigava a dormir e nem terminara de se decidir racionalmente se devia ou não acordar, aliás, acordar, não, levantar da cama, ou melhor, terminar de acordar.
Enfim, por que levantar? Para trabalhar, é claro, aliás, levantar agora para se lavar comer vestir sair e pegar a condução, a primeira de três, três ônibus, enfim, é trajeto talvez não tão longo quanto demorado, e só depois, então com o traseiro já todo dolorido de viajar sentado, ou com dor nas pernas e braços de viajar em pé, só depois picar o cartão de ponto e começar a trabalhar. E para que trabalhar? Para se sustentar, para ganhar o dinheiro, para pagar a comida, o aluguel, as contas d'água, telefone, força, as bebidas, as sinucas, o vigia noturno, as roupas, os livros, revistas, cedês, a pensão do filho criado pela ex-mulher, os remédios, seus e de seu pai, já velhinho, enfim, trabalhar para sustentar cada dia comum de sua vidinha banal. Trabalhar para sustentar cada dia comum, incomum, excitante ou entediante de sua vidinha banal, e da do patrão. E o Sol dormindo, e a cama chamando, "venha, venha, venha"... Muitas vezes teve de desligar a brilhante função de cinco ou dez minutos mais a serem dormidos antes de se decidir a levantar. Muitas vezes, mais de seis. Pelas minhas contas, teve um atraso entre meia e uma hora, talvez mais, até que se decidiu a levantar. Já o Sol ameaçava acordar, já os ônibus rodavam, já não tinha tempo de comer, lavara-se mais ou menos, com muita pressa, vestira-se então mais apressado ainda, saiu com as calças às mãos, ainda fechando o cinto, a camisa vazando por cima da cintura, uma mancha de café na manga, um pão velho duro amanhecido enfiado na boca, olhando o relógio no pulso, rezando pela desgraça de tantas pessoas para que se atrasasse o coletivo com todas elas dentro de forma que pudesse ele, o único que tivera suas dúvidas ao acordar, chegar a tempo no trabalho. A tempo de quê? De trabalhar, para sustentar cada dia comum de sua vidinha banal.
É lógico que acabou se atrasando.

terça-feira, setembro 02, 2008

cerveja (bukowski, charles. beer)

CERVEJA

Não sei quantas garrafas de cerveja
consumi enquanto esperava as coisas
melhorarem
não sei quanto vinho e uísque
e cerveja
principalmente cerveja
consumi depois de
trepar com mulheres --
esperando o telefone tocar
esperando o som de passos
e o telefone tocar
esperando o som de passos,
e o telefone nunca toca
até bem depois
e os sons de passos nunca chegam
até bem depois
quando meu estômago está subindo
até a minha boca
elas chegam frescas como flores de primavera:
"o que diabos você fez a si mesmo?
vai levar 3 dias até você poder me foder!"

a fêmea é durável
ela vive sete anos e meio a mais
que o macho, e bebe muito pouca cerveja
pois sabe que é ruim para a imagem.

enquanto ficamos malucos
elas estão por aí
dançando e rindo
com cowboys excitados

bem, há a cerveja
sacos e mais sacos de garrafas vazias
e quando você puxa uma
a garrafa cai pelo fundo molhado
do saco de papel
rolando
quebrando
expelindo cinzas molhadas
e cerveja estragada
ou os sacos caem às 4 a.m.
na madrugada
fazendo o único som em sua vida.

cerveja
rios e mares de cerveja
o rádio tocando canções de amor
enquanto o telefone continua em silêncio
e as paredes imóveis
retas de cima a baixo
e a cerveja é tudo o que há.